Você está num local calmo, tranquilo. É fim do dia e o Sol já se pôs, fazendo com que o céu mostre as suas cores mágicas do crepúsculo, do rosa até ao azul-escuro. As primeiras estrelas começam a cintilar. Primeiro aparecem as mais brilhantes e à medida que o sol desce mais sob a linha de horizonte, as estrelas com um brilho mais ténue, fazem também a sua aparição. Não há vento e é Lua nova. A maior parte dos fotógrafos começa a arrumar o seu material e a voltar a casa pois a luz já é escassa. Mas é agora que o espectáculo vai começar. A via láctea faz a sua aparição e se o local onde estiver for longe de localidades (leia-se poluição luminosa), ela aparece em todo o seu esplendor. As estrelas brilham com cada vez mais intensidade.
Pine Tree Star Trails - Pinhal do Rei, Marinha Grande, Portugal
Canon 20D, EF-S 18-55 F3.5-5.6, F4.5 a ISO 100, 45min. de exposição em Lua Nova
Canon 20D, EF-S 18-55 F3.5-5.6, F4.5 a ISO 100, 45min. de exposição em Lua Nova
Mas agora coloca-se a seguinte questão: como capturar este céu maravilhoso? De certeza que já tentou mas talvez ainda não tenha conseguido captar aquelas estrelas bem focadas, a cor do céu não saiu correcta ou talvez não saiba como localizar a estrela polar. Neste artigo vou mostrar como executar com sucesso fotografia de rastos de estrelas, qual a melhor altura para o fazer e todo o planeamento necessário.
Uma fotografia de rastos de estrelas pode imediatamente tornar-se vulgar. O que a faz destacar-se é a composição e a maneira como os objectos do primeiro plano se relacionam com o fundo. Mais do que na fotografia diurna, uma foto nocturna exige em muitos casos um conhecimento prévio do local a fotografar, do que se quer fotografar, das condições atmosféricas e da altura do dia. Obviamente que será de noite mas é conveniente saber se será ao principio ou a meio da noite.
Imaginemos que já sabe o que quer fotografar. Há agora alguns factores que importa ter em consideração:
Local: o mais longe possível de localidades! Afaste-se da poluição luminosa pois esta normalmente deixa um tom laranja no céu que dificilmente conseguirá remover no processamento.
Fases da Lua: O ideal é fotografar com a Lua nova. Assim haverá menos luz no céu, deixando brilhar as estrelas mais fracas. A situação a evitar é a Lua cheia. Se houver um pouco de Lua no céu isso até pode resultar num bom efeito.
Vento: É algo a evitar. O vento pode causar um efeito de movimento em vários elementos na foto mas tende a ser desagradável podendo até provocar vibrações no tripé, oscilando a imagem, o que resultará numa imagem tremida.
Humidade: De acordo com o local onde pretende tirar a foto, a humidade pode variar entre os 30% e 80%. Se a humidade estiver acima dos 70%, arrume o equipamento e desfrute do céu estrelado. Uma longa exposição faz com que a humidade se acumule na lente arruinando a foto que você tão arduamente idealizou.
Condições atmosféricas: Tenha atenção às súbitas mudanças de tempo. É conveniente saber se o tempo se vai manter estável pois a sua exposição pode atingir várias horas. Salvo algumas situações, o aparecimento de nuvens pode arruinar uma foto. Fotografe sempre com céu limpo!
Para além do planeamento é conveniente ter outros factores em consideração:
• Use um GPS. Será útil para localizar o carro e conhecer o caminho de volta. Em escuridão total é fácil perdermo-nos.
• Leve consigo uma lanterna de mão ou frontal. Não se esqueça das pilhas!
• Leve sempre água consigo. Pode também levar algumas barras energéticas ou outro tipo de alimento.
• Um banco também é aconselhável mas isto depende do local onde vai fazer a foto.
• Leve SEMPRE um chapéu consigo. 40% do calor corporal perde-se através da cabeça. Seja Verão ou Inverno, um chapéu é sempre útil.
• Diga sempre para onde vai e de preferência não saia sozinho!
O equipamento fotográfico
• Máquina SLR
• Lente (de preferência grande-angular) com pára-sol para protecção contra a humidade
• Cabo disparador (se for programável, melhor!)
• Tripé
• Baterias carregadas
• Bússola (para descobrir o norte à noite)
Tenha atenção que as baterias comportam-se de maneira diferente consoante a temperatura ambiente. No Inverno, com temperaturas baixas na ordem dos 0°-5°C a vida das baterias pode ser reduzida a menos de metade e em noites de Verão com temperaturas de 20°-24°C pode até duplicar. Lembre-se também que a temperatura ambiente influencia o ruído digital da sua máquina: mais frio, menos ruído; mais calor, mais ruído.
Ruído digital
Em fotografia nocturna, especialmente em longas exposições, o ruído digital é o inimigo nº1 do fotógrafo. Mas o que é isso do ruído? Ruído digital mostra-se numa fotografia como grão podendo alguns desses grãos possuir várias cores. É criado quando a corrente eléctrica passa no sensor aquecendo mais ou menos alguns dos fotodíodos ficando estes com uma cor ou luminosidade diferente do que seria esperado. Á medida que a exposição se torna mais longa, o nível de ruído tende a aumentar. Em noites muito frias (-5°-0°C) isto acaba por nem ser um problema mas nas noites quentes de Verão devemos sempre pensar em como o eliminar. Existem duas formas de o fazer: ou usando o modo de eliminação de ruído da máquina (long exposure noise reduction) ou usando as chamadas Dark Frames ou ainda fazendo várias fotos e depois montá-las umas em cima das outras.Usar a redução de ruído da própria câmara significa que para por ex. 1 hora de exposição, a câmara demora mais 1 hora a processar o ruído. Com bons resultados, é certo, mas é muito tempo para saber como fica a foto e nalguns casos, é uma espera de 2 horas apenas para descobrir que não temos o resultado que queríamos. Usar o método das Dark Frames não significa que o tempo de espera seja reduzido mas permite ver a exposição assim que ela termina. Depois podemos decidir se avançamos com a redução de ruído para finalizar a foto. Sem mexer qualquer parâmetro da câmara, e mantendo as mesmas condições de temperatura, basta colocar a tampa na lente e voltar a tirar uma foto com o mesmo tempo da primeira. A foto vai sair toda negra apenas com o registo do ruído. Depois são montadas em Photoshop, anulando assim o ruído. Isto não é mais do que o mesmo processo que a câmara utiliza quando tem a redução de ruído ligada. Fazer várias exposições com a redução de ruído desligada e depois montá-las por software tem-se revelado a solução mais eficaz para combater o ruído.
A exposição
Existem vários factores que podem condicionar a exposição. Aconselho a experimentar vários mas os dois que afectam maioritariamente a exposição são a abertura e sensibilidade ISO. A velocidade de disparo apenas controla o quão longos serão os rastos das estrelas. Os parâmetros podem mudar de acordo com o tipo de câmara a usar mas como orientação e tendo em conta uma noite de Lua nova, podemos usar F5.6 e ISO 400.Um dos erros mais comuns em fotografia de rastos de estrelas é estes serem demasiado curtos. Sei que muitos fotógrafos cortam a exposição demasiado cedo com medo do ruído no sensor digital mas com as máquinas mais recentes isso praticamente deixou de ser um problema. Uma foto com rastos de estrelas curtos e uma má composição é desinteressante. Ao usar uma grande angular (entre os 16 e os 24mm) use no mínimo, um tempo de exposição de 2 horas. Isto irá criar rastos de estrelas aceitáveis, sendo muito mais evidente a rotação das estrelas.
Descobrir a polar
Se levar uma bússola consigo, irá quase acertar na direcção da estrela polar. Digo quase porque a bússola aponta o Norte magnético enquanto a polar aponta o Norte verdadeiro. A solução passa por saber onde fica a estrela polar e para isso é fundamental possuir algum conhecimento do céu nocturno.
Contrariamente ao que muita gente pensa, a estrela polar não é a mais brilhante no céu. Se procurarmos a mais brilhante no céu, corremos o risco de apontar para um planeta. Júpiter, Marte e Vénus são os mais facilmente visíveis mas apenas identificáveis a Este, Sul e Oeste. Se tiver uma bússola consigo, tente virar-se para Norte. Procure no céu uma figura igual à que está no esquema. A constelação da Ursa Maior é facilmente identificável no céu nocturno. As suas estrelas possuem quase todas o mesmo brilho e não existem estrelas mais brilhantes por perto, ajudando na identificação. Após identificar a constelação, procure Merak e Dubhe. Agora tente imaginar uma linha recta a passar nestas duas estrelas. A estrela mais brilhante que aparecer perto dessa recta e para fora da constelação será a Polar. É impossível falhar pois num raio de 30° não há estrelas mais brilhantes.
É sobre a polar que todas as outras estrelas rodam. O movimento de rotação faz-se à direita da polar no sentido contrário aos ponteiros do relógio (sobem à direita). Consequentemente, o movimento é feito no sentido dos ponteiros do relógio, quando estamos virados para Sul.
Conhecendo a rotação e sentido de deslocação das estrelas, é possível até, olhar para qualquer foto de rastos de estrelas e saber para onde a câmara estava orientada. Para quem estiver no hemisfério Sul, o sentido e rotação das estrelas processa-se no sentido contrário.
Fazer a foto
Se levou em consideração as informações aqui escritas, está agora num local afastado de localidades, há pouco vento, a humidade relativa é baixa e já sabe onde está a Polar. O Sol já desceu no horizonte e agora só falta saber uma coisa: quando começar a exposição! Temporizar a exposição pode determinar o sucesso de uma fotografia. Quando a noite vai longa, as estrelas brilham intensamente no céu mas tudo o resto ficará muito escuro a não ser que opte por pintar com luz alguns dos elementos que incluiu na sua foto. Mas todo o primeiro plano continua escuro. Uma das possibilidades de iluminar o primeiro plano é começar a exposição durante o crepúsculo náutico, sensivelmente uma hora após o pôr-do-sol. O céu ainda possui uma leve coloração azul iluminando ainda alguns elementos do primeiro plano. Mas tudo isto depende do tipo de primeiro plano que tem na sua foto. Um plano mais claro reflecte mais luz, necessitando por isso de menos tempo de exposição. Usando F5.6 e ISO 400 em 20-24 exposições de 5 minutos e montadas no Photoshop, dá normalmente bons resultados.Em vez de temporizar ao crepúsculo náutico, podemos temporizar de acordo com a Lua, sabendo em que fase está e a que horas aparece no horizonte. O complicado nesta situação é gerir o tempo de exposição com luz da Lua. Se for muita, pode fazer com que as estrelas capturadas antes (quando a Lua ainda não tinha nascido) fiquem mais ténues perdendo o efeito principal da foto. Se for pouca, arriscamo-nos a ter uma foto escura onde apenas são visíveis os rastos de estrelas.
Montado Star Trails - Barrancos, Alentejo, Portugal
Canon 5DMark II, EF 17-40 F4L, F5.6 a ISO 320, 2 horas exposição (24x5min.)
Últimos 20 min. de exposição com a luz da Lua. Azinheira iluminada com lanterna
Canon 5DMark II, EF 17-40 F4L, F5.6 a ISO 320, 2 horas exposição (24x5min.)
Últimos 20 min. de exposição com a luz da Lua. Azinheira iluminada com lanterna
Existem diferentes técnicas para fazer uma foto de rastos de estrelas:
1 – Uma única exposição. Esta foi e ainda é a técnica usada por muitos. No tempo do filme era mais fácil fazer exposições de 5 a 8 horas com excelentes resultados mas na era do digital, o ruído electrónico do sensor não permite ir além das 2 horas de exposição com bons resultados. Fazer uma única exposição é algo a ter em conta, especialmente se pensarmos em submeter a imagem a um concurso internacional, já que nos mais importantes não é permitida a montagem de imagens. Usar uma única exposição comporta riscos. É preciso conhecer muito bem o equipamento e entender as condições de luz para que a imagem não fique sobreexposta. Quanto mais baixo o valor de ISO, melhor. É conveniente sabermos com muita certeza o que estamos a fazer pois se vamos dedicar 2 horas a uma única exposição, é de todo aconselhável que saia bem à primeira. O único senão é que uma única exposição que dure 2 horas, irá durar mais 2 quando a máquina executar a redução de ruído logo após o término da exposição.
Western Star Trails - Praia da Polvoeira, Alcobaça, Portugal
Canon 5D Mark II, EF 17-40 F4L, F5.6 a ISO 100, 2 horas exposição em Lua nova
2 – Várias exposições curtas. Ultimamente é o método mais comum. Consiste em fazer várias exposições de 30 segundos e depois montá-las no Photoshop ou no Startrails. É um método que permite incluir muitas estrelas na foto enchendo todo o céu de rastos. Como os valores de ISO usados são muito altos (entre 400 e 800) é conveniente não apanhar aviões a passar na foto. Este é o método que se deve usar em fotos de rastos de estrelas perto de zonas urbanas. Visto termos de fazer muitas fotos, (120 por hora) é conveniente verificar o espaço no cartão e o estado das baterias. Em fotos RAW, numa máquina de 21mp e com um ISO de 800, cada foto ocupa aprox. cerca de 32Mb x 240 (para 2 horas) dá quase 8Gb de fotos! É fundamental desligar a redução de ruído da máquina para que as estrelas não apareçam intermitentes. Como todas as fotos serão montadas, o ruído irá desaparecer no processamento.Canon 5D Mark II, EF 17-40 F4L, F5.6 a ISO 100, 2 horas exposição em Lua nova
Walking the Stars - Praia das Pedras Negras, Marinha Grande, Portugal
Canon 20D, EF-S 18-55 F3.5-5.6, F4 a ISO 400, 1 hora de exposição (120x30s)
Iluminação com lanterna por baixo do passadiço de madeira
3 – Várias exposições longas. Um método usado há relativamente pouco tempo mas que oferece excelentes resultados. Exige mais processamento que o método anterior, sobretudo se quiser uma imagem de grande qualidade e que possa ser impressa em grande formato. A vantagem é que com várias exposições longas (5 min.) podemos capturar mais luz e tornar o processamento num exercício mais rápido pois em vez de umas centenas de fotos para processar, temos apenas umas dezenas. O pouco espaço em cartão que ocupam é também uma vantagem a considerar.Canon 20D, EF-S 18-55 F3.5-5.6, F4 a ISO 400, 1 hora de exposição (120x30s)
Iluminação com lanterna por baixo do passadiço de madeira
Spotting the Stars and fires - Pinhal do Rei, Marinha Grande, Portugal
Canon 5D Mark II, EF-17-40 F4L, F5.6 a ISO 400, 3 horas exposição (36x5min.)
Capturar a imagemCanon 5D Mark II, EF-17-40 F4L, F5.6 a ISO 400, 3 horas exposição (36x5min.)
O procedimento para fazer as fotos pouco muda, independentemente da técnica a usar. Seja uma ou várias fotos, a composição deve ser sempre bem estudada. Devemos sempre ter a capacidade de visualizar o resultado final.
Partindo do principio que estudou o local para onde vai fotografar, certifique-se que chega com antecedência. Isso dar-lhe-á tempo para preparar todo o material e resolver alguns imprevistos.
Monte o tripé e certifique-se que este está bastante estável. Caso não esteja, o vento pode causar vibrações e se estiver num solo arenoso este pode mover-se ao fim de algum tempo.
Nivele o horizonte e foque adequadamente. Se não houver objectos no primeiro plano (a pelo menos uma distância de 15m), foque ao infinito caso contrário use uma tabela de focagem hiperfocal (brevemente um artigo sobre esta técnica).
Se optar por apenas uma foto, digamos que com uma exposição de uma hora, ligue a redução de ruído da máquina, ou deixe-a desligada e faça um Dark Frame. Se optar por várias fotos deixe-a desligada. Use uma abertura entre F5.6 e F8 consoante a luz que tem no céu. A sensibilidade ISO depende do tempo de exposição que pretender. Para uma única exposição opte por ISO 100. Para várias exposições curtas (30”) use ISO 400 ou 800. Para várias exposições longas (5 min.) use ISO 400. Lembre-se que estes valores são apenas de referência. Não há uma fórmula certa para fotos deste tipo. Quanto ao balanço de brancos, embora não seja importante, pois pode ser modificado no processamento, seleccione Tungsténio pois ajuda a ver a foto com o aspecto mais parecido com o resultado final.
Como já foi falado acima, o uso de um cabo disparador é obrigatório, não só para não transmitir vibrações à câmara para também para que possa trancar a exposição. Se optar por apenas uma imagem, coloque a sua câmara em posição Bulb ou B. Nalgumas câmaras está na opção M – Manual, logo a seguir aos 30”. Seleccione o modo de disparo para apenas uma foto (aquele pequeno rectângulo que aparece no visor). Inicie e tranque a exposição. Se tiver um cronómetro consigo, inicie-o na mesma altura da exposição pois algumas câmaras só possuem contador até 999 segundos. Se optar por várias exposições curtas de 30”, coloque a câmara nessa opção e escolha o modo de disparo sequencial (aquele onde aparecem vários rectângulos sobrepostos). Inicie e tranque a exposição. Como a máquina está em modo sequencial, assim que terminar uma foto, inicia logo a próxima sem pausas. Tenha atenção ao espaço em cartão!
Para executar várias exposições longas e seguidas, aconselho um cabo disparador com intervalómetro. Este comando permite controlar o tempo da exposição e se o fazemos sequencialmente. Fazer este tipo de exposições sem este cabo é quase impossível. Coloque a câmara em Bulb e introduza os tempos que necessita no cabo disparador. Inicie a exposição e vá contando as fotos.
De preferência, fotografe em RAW.
Agora que tem as fotos que quer, é altura de as processar para ver qual o resultado final. Isso é um assunto para a segunda parte deste artigo.